João Correia de Freitas
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Uma data de dados: onde, como e porquê?
A análise de dados em Educação não é algo de novo e vai tão atrás quanto o final do século XIX e desde então por via cada vez maior atenção dada aos seus resultados tem entrado regularmente no nosso dia a dia – veja-se o impacto dos estudos internacionais, donde o PISA será dos mais conhecidos.
O que será relativamente novo, já deste século, é a quantidade de dados a que se passou a ter acesso por via da generalização do uso dos sistemas informáticos e da sucessiva sofisticação da nossa capacidade da sua análise, de que a entrada em cena da Inteligência Artificial veio provocar uma explosiva progressão em complexidade.
Mas de tudo isto o que resta para os docentes que procuram não perder estes desenvolvimentos e desejam obter mais informação dos dados gerados pelas plataformas informáticas que utilizam com os seus alunos com o propósito de melhorarem os respetivos resultados?
Procurar-se-á nesta breve apresentação focar na plataforma MOODLE a título de exemplo, dando nota dos dados disponíveis para os seus utilizadores refletirem sobre o seu uso e algumas das aplicações concretas dos mesmos. Não se deixará de sublinhar as questões de falibilidade desses dados e dos limites que importa deontologicamente estabelecer para um uso humanizado da tecnologia digital. Espera-se assim contribuir para o enriquecimento deste painel com dados práticos que ajudem a uma reflexão que se quer urgente sobre os limites e potencialidades da análise de dados, a partir de exemplos relativos aos ambientes de ensino e aprendizagem enriquecidos digitalmente.
Neuza Pedro
Professora Auxiliar com Agregação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Doutorada em Educação na especialidade Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação. Possui Formação posgraduada em E-teaching pela Universidade de Agder-Noruega e em Online Assessment pela Universidade de Wisconsin-Stout nos Estados Unidos. Obteve Agregação pela Universidade de Lisboa na área da Educação a distância no Ensino Superior. Assume a coordenação do Doutoramento e do Mestrado em Educação e Tecnologias digitais do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, sendo igualmente membro da comissão diretiva do Programa Doutoral TELSC (Technology-enhanced Learning & societal challenges). Criou e assumiu a coordenação, entre 2010 e 2019, do Laboratório de e-Learning da Universidade de Lisboa.
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Datificação no Ensino Superior: do quê e para quê?
A produção e o tratamento massificado de dados deram origem a processos de dataficação com largo potencial transformador das práticas pedagógicas, da gestão e dos modelos organizacionais do ensino superior; contudo, essa realidade no contexto nacional encontra-se longe de acontecer. A resistência à inovação tecnológica, a menor relevância da dimensão pedagógica e o subfinanciamento surgem como parte dos principais fatores justificativos desta realidade nacional. Procura-se contribuir para este painel abordado algumas das oportunidades para a inovação pedagógica que poderão estar por detrás dos processos de recolha, tratamento inteligente e utilização estratégica de dados, nomeadamente para melhor fundamentar decisões pedagógicas mais informadas e com vista à melhoria da experiência de ensino e aprendizagem. Discute-se como os dados podem apoiar a preparação de aulas mais contextualizadas, permitindo diferenciação pedagógica e inclusão, para melhorar o acompanhamento e suporte aos estudantes, para facilitar intervenções preventivas e personalizadas. Aborda-se ainda como a dataficação pode enriquecer os processos de avaliação, tanto dos estudantes, quanto de unidades curriculares e mesmo de ciclos de estudos. Conclui-se com uma reflexão sobre a importância da literacia de dados e das questões éticas, promovendo uma visão da dataficação como uma ferramenta essencial para processos de decisão pedagógica baseada em evidência.
Mariana Valente
Doutorada em Ciências da Educação; Mestre em Educação e Desenvolvimento; Licenciada em Física. É investigadora integrada do Instituto de História Contemporânea, Universidade de Évora / IN2PAST — Laboratório Associado para a Investigação e Inovação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território e Professora Aposentada da Universidade de Évora. Foi coordenadora do polo do Projeto Minerva da Universidade de Évora entre 1988 e 1994. Foi diretora do Centro de Tecnologias Educativas da Universidade de Évora entre 2011 e 2014, que lançou o Ensino a Distância nesta Universidade. A sua investigação centra-se na valorização pedagógica da História e Filosofia da Ciência e na valorização pedagógica de encontros entre Artes, Ciências e Tecnologias. Nos últimos anos, tem contribuído para a conceção e experiência de caminhos de aproximação afetiva, cognitiva e cultural ao mundo natural. A interdisciplinaridade e o trabalho em cooperação, com investigadores de outras áreas científicas, são dimensões intencionais e relevantes nas suas práticas de investigação.
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Abundância de dados, empobrecimento de realidades? algumas reflexões breves
Com Galileu absorvemos a ideia de que o livro da natureza está escrito em carateres matemáticos, fazendo bifurcar a natureza. Lévy-Leblond traduz essa bifurcação escrevendo que esse é o livro de contas da natureza. Há outro livro, muito importante, o livro de contos da natureza. Anteriormente, os românticos, assustados com uma natureza matematizada, insistiram no valor da perceção do mundo, como modo vital de o habitar, valorizando e multiplicando outras formas de conhecimento. Vivemos num mundo em crise, de vários pontos de vista, ambiental, social, político. A dataficação social e educacional crescem a uma velocidade indizível. Seremos uma sociedade feita de sombras digitais, geridas em grande número, resultando em formas dominantes de pensamento, colonizando a invenção do pensar e do ser? Também agora a natureza não fica de fora, as grandes máquinas de armazenamento, de análise e de gestão de dados vão “comendo” a terra.
Com o dataísmo, “paradigma” emergente para alguns pensadores dos big data da nossa cultura, tudo será quantificável e libertado da subjetividade humana, incluindo os processos complexos como o são a educação.
A dataficação aplicada aos contextos de ensino e de aprendizagem e associada a máquinas com algoritmos analíticos e à inteligência artificial, instala uma velocidade que não é compatível com o pensamento, com a imaginação, com a sensibilidade “encarnados”. O filósofo Deleuze costumava dizer que o pensamento gagueja, para com isso significar que precisa de tempo, de hesitação. Esta velocidade concretiza-se fornecendo feedbacks em tempo real e ajustados a cada estudante e, como tal, poderá ser uma dimensão positiva na relação com determinado tipo de informação.
Como professora e investigadora, sou uma consumidora ativa da digitalização e do open access; de textos, de imagens, de vídeos. A empatia e a arte das ideias que tento cultivar com os estudantes a distância incorporam as dimensões temporal e subjetiva. Como desenvolver a arte da atenção ao mundo, que tanto precisa dela? Como ser capaz de fazer sentir que “a mais pequena coisa é capaz de exuberância, de transbordar, de abundar”?
Num mundo em perturbação, a multiplicação dos modos de conhecimento, a multiplicação de modos de aprender, a pluralidade de cada ser são valores onde a dataficação deve encontrar o seu lugar sem reduzir o mundo a um sonho de certezas, sem empobrecer o mundo e os seres, podendo iluminar, sem dominar, estratégias importantes nos contextos da educação.
Financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos projetos, UIDB/04372/2020 e UIDP/04372/2020